sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A rosa, a tela e o soldado

oscaminheiros.blogspot.com
  Adianto que essa postagem aqui não é das melhores e tem um cunho "pessimista", alguns diriam. É um dos ângulos da incumbência de viver nesse mundo. O ponto é que nos últimos dias o número de amigos que tem se chegado a mim com problemas pra resolver e, como dizia o seu Werner, com verdadeiras “explosões internas”, extrapolou o normal. Eu mesmo não tenho o hábito externar angústias quando elas surgem, aquela sensação de ter de encontrar um rumo e tal. E querendo ou não, mesmo aquelas pessoinhas meigas que andam sempre com um sorriso estampado no rosto tem um universo extremamente complexo dentro de si. No fundo a gente conhece de verdade as pessoas quando elas nos dão acesso a esse mundo particular. Sem descobertas hoje, só percepções que tem se posto diante de mim de forma mais clara do que esperava.
  O que isso tudo me lembra é aquela saudade que as pessoas tem da infância. Por que? Porque a meu ver a infância termina com um susto. A maturidade em certo ponto de vista é alcançada desse jeito, quando no meio dessa estradinha damos de cara num muro, que nem de perto pensávamos que estaria ali. Esse susto marca o início da percepção de que nossa visão era uma bonita utopia e de que o mundo tem, na realidade, muito de hostil, e de que pra viver nele careceremos de força, o tal do jogo de cintura e, em alguns casos, bastante das duas coisas. Não sei... Talvez muitas das nossas concepções e esperanças se fundamentem nessa segurança primordial, e provavelmente essa referência nos seja em vários aspectos um suporte pras lutas que vem quando chega a nossa vez de dar uma de gente grande. Pra algumas pessoas essa infância acaba cedo demais, e nessa linha de raciocínio faz todo o sentido a quebra de estruturas que chamamos de “traumas”. Não tenho bala na agulha pra argumentar no âmbito da psicologia, então vou evitar pegar esse rumo de forma direta pra me ater aqui nessas percepções meio esparsas. Em suma, com tudo o que tem de belo, não, o mundo não é legal. E se pra ti tá tudo lindo, criatura, te falta dar uma volta por aí pra entender a situação.
  São engraçadas essas frases corriqueiras como: “pessoas inteligentes são menos felizes” ou “pensar demais faz mal”. Não estou aqui pra aconselhar em linhas claras um masoquismo psicológico – não me parece necessário -, mas acredito que isso se ilustre bem no fato de que, quando olhamos essa rosa com mais atenção, percebemos que mais do que uma flor, ela é uma grande vara verde cheia de espinhos que vamos ter que colher pelo caule e apertar com força.
  Se há algum indício da sabedoria que alegamos ter recebido Salomão nos tempos bíblicos, é o livro de Elcesiastes. Andei relendo-o, e acabou por complementar o que me veio com esses últimos tempos. O argumento é basicamente o de que tudo o que o homem faz é uma grande inutilidade, e tudo o que construímos um dia vai ser esquecido, assim como foi esquecido o que fizeram os antigos. E uma geração vai e outra vem, e nada nesses nossos grandes objetivos de vida na verdade tem importância. A vida é um sopro, e quando tu percebes, já soprou. Aí, meu velho, grande merda tudo o que foi feito ou não. Vai passar, vai ser esquecido, vai acabar junto com tudo o que por algum motivo - invariavelmente não tão importante assim - foi construído. E tudo o que fazemos parece se resumir a aflição, a correr atrás de algo na vida que nem sabemos direito em que realmente consiste. Tudo, tudo o que fazemos é completa inutilidade movida por uma real aflição de espírito encrustada no âmago do que somos.
  É uma visão cruel acerca de um mundo cruel. E não me entenda mal, eu sei que “o mundo é belo e cheio de coisas belas”, e temos muito pelo que agradecer. Mas nesse mundo doente, no que toca a segurança emocional humana, isso não difere muito dos alegres e seguros fundamentos de uma infância saudável, infelizmente diretamente dependente de inocência, no sentido de ignorância em relação à realidade do mundo, mesmo. Aliás, quando realmente não se está bem, não há vento na cara que resolva, apesar de sempre ter sua graça. xP
  Mas Salomão encerra o livro, e esse é o ponto mais importante, após a percepção de que é tudo inutilidade, atentando para algo que parece dessa vez nos dar coordenadas, algo que parece fazer sentido que façamos: “Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: Tema a Deus e guarde os seus mandamentos, pois isso é o essencial para o homem”. Lewis talvez exemplifique bem o que Salomão diz após tudo com a frase “o que não é eterno, é eternamente inútil”.
  No fim das contas vento, chuva, folhas, montes, cidades, amor, apreço, amizades, ajuda mútua e tudo o que há de melhor no mundo e no homem, tem valor. Tudo isso nos mantém, e está, sim, entre o que há de maior. Não pela utilidade em si, mas porque apontam a uma realidade maior e eterna, e falam sobre um pouco do que origina essa nossa incompletude. Nos aponta algo que perdemos, e leia-se nisso a plenitude de segurança, beleza, simplicidade... E algo que nem a infância pode oferecer, que é a dita sensação de se estar onde RAIOS se deve estar, condição que se encaixa, enfim, com o que somos. No ponto de vista bíblico, é justamente essa a percepção à qual teremos acesso. Uma direção que põe um ponto nessas mediocridades sem pôr um ponto no novo.
  Tudo o que queremos, acredito, é que as coisas façam sentido. A ruptura do homem com Deus é basicamente a perda um mecanismo da própria essência. A questão é religar os pontos. Pra um cristão os problemas continuam, as dúvidas também, e não adianta fingir que não. Mas a cada cambaleio, Deus faz mesmo aquela diferença que só na prática se entende.
  A vida é difícil, estamos num mundo corrupto e doente, mas há vários anos uma imagem tem me feito montar uma percepção, a meu modo, disso tudo. A vida diante de Deus é como se fosse uma tela que vamos expor daqui a algum tempo. E temos que nos virar com as tintas que nos vem. Não queríamos a verde, mas ela veio. Queríamos aquela cor vinho numa quantidade maior, mas o que veio é o que dá pra usar. Aquele azul ali no canto, quase passando desapercebido, pode compor quase todo o fundo. A gente não controla o que vem por aí, mas temos na mão a oportunidade de fazermos dessa pintura algo bacana com o material que nos vem à mão. Talvez a fé seja essa consciência de que Deus nos põe nas mãos as cores certas. É claro que podemos sentir falta de tons escuros, atentar à nossa própria noção do que parece melhor e jogar um punhado de lama na tela, mas com o foco certo, ouvindo a voz certa, esses estragos não precisam acontecer, e na pior das hipóteses ao menos não de forma irreversível.

  Não há nessa vida por enquanto uma solução para todas as dores do mundo, e nem é aqui que seremos plenos. Todavia, temos aqui uma direção, como soldados perdidos em uma mata escura que depois de muito tempo escutam uma voz no rádio que vai transmitir as tão esperadas coordenadas pra que se chegue no objetivo. É assim, sempre um passo no escuro, com fé de que essas coordenadas estão nos salvando da morte. E por fim, de que por mais que essa estranha planta com um caule cheio de espinhos não seja fácil de ser arrancada, aquela flor não é um detalhe, mas o objetivo pelo qual aceitamos tirá-a do chão. :]