quinta-feira, 3 de abril de 2014

Decência e vulnerabilidade

  "Eu não mereço ser estuprada". Uma pesquisa mal conduzida fez a cabeça de muitos, e uma falha de análise de contextos gera a outra. Estamos trabalhando de novo com o óbvio, como alguém que segura um cartaz com um "A Terra é Azul" escrachado. Geralmente mesmo um bandido qualquer sabe que uma mulher não merece passar por isso, tanto quanto sabe que é errado roubar ou matar. E se não souber, é porque é insano, e se for insano, não faz diferença que seja avisado. Aliás, esse consenso de que é errado era ainda maior, ao menos em nível de discursos sociais, quando o cavalheirismo ainda era parte fixa no imaginário social como um dever masculino. Mas essa é uma visão “crua” das coisas, e eu sei disso, caso alguém tenha me achado um neandertal. hahah
  O primeiro argumento que pensei em levantar quando vi conhecidas com os cartazes portando aqueles dizeres foi o inegável: uma bunda de fora – e peitos de fora também -, em nossa sociedade realmente sabem despertar um homem, e se há uma menina “bem-vestida” ao lado de uma “mal vestida”, a mal vestida tende a atrair mais a atenção de um. Mas vi logo que havia outros pontos a se considerar. Eu tenho buscado adotar a política do “ser tardio no falar”, e isso parece ter sido saudável. Quem me notou escrevendo MUITO menos hoje em dia no Facebook, saiba que é tanto pela falta de tempo que me cai agora, quanto por isso. :P
  Não foi difícil lembrar que – infelizmente, eu diria -, a maioria das meninas estupradas – e meninos, já que não são só elas, e inclusive mulheres estupram – que conheço, são crianças que nem sequer tinham o corpo “bem formado” quando essa atrocidade ocorreu. E se sairmos de nosso contexto, podemos desembocar por exemplo na cultura islâmica: machista pra burro e com um alto índice de estupros - muitos encobertos, como se sabe. E lembremos que em casos mais extremados como o Afeganistão, basicamente dominado pelo regime do Talibã, a burca é de uso comum. O ponto em que quero chegar e que a causa do estupro parece estar muito mais relacionada com a vulnerabilidade que com a “decência”.
  A vulnerabilidade ser questão relevante é só mais um dos fatores que provam que um estuprador não é um homem comum, mas um doente. E não digo ‘doente’ como quem justifica. São criaturas que me inspiram a penalização legal de castração na melhor das hipóteses. Mas o estupro, apesar de sujo, torpe e hediondo, ainda é um ato de cunho sexual, e naturalmente relacionado à atração sexual. Não havendo aparentemente estatísticas sérias que comprovem que a vulnerabilidade é o ÚNICO fator, acho então natural pensar que uma garota com roupas “modestas” demais pode despertar os instintos de um homem, sim, e inclusive de um estuprador – lembrando que essa polêmica tem se restringido a esse tipo de estupro. Creio que sugerir a uma menina que cubra um pouco mais o corpo, especialmente em situações que a tornem vulnerável, deve ser encarado não como uma “regra opressora de uma sociedade machista e patriarcal”, mas como no mínimo um bom conselho, dada a situação das coisas – ninguém em sã consciência gosta de saber que pessoas podem ser assaltadas, estupradas, espancadas e mortas quando saem na rua, convenhamos. Os estupradores é que devem ser ensinados a não estuprar, assim como os assaltantes devem ser ensinados a não assaltar, mas não vou por isso andar com a minha carteira pendurada pra fora do bolso e deixar a casa aberta quando saio – bom senso. Devo repetir, ainda assim, que nessa questão do estupro o grande ponto parece mesmo ser a vulnerabilidade, e não a ‘decência’. De toda a forma, não vejo como inválida a questão de se cuidar.
  Mas quer saber? Dane-se! Eu defendo a decência e sempre defendi, e não é por não ser o primo fator a se considerar quando o assunto é estupro, que se torna um tópico descartável. Eu creio que o vestir-se bem é algo... Épico! E caraca, como uma menina sabe ser mais atraente quando se veste bem que quando faz essas perigueteadas! :P. No meu ver, a decência seria uma questão de companheirismo entre os gêneros – onde homens também deveriam ter parte -, pelo bem-estar de ambos, considerando as limitações de cada um. Só que infelizmente é um ato de bom senso e convívio que não tem chances e nem sentido de ser numa sociedade que soube se fazer relativista a ponto de descartar tantos valores morais – ao menos o que antes entendíamos como valores morais. Depois de tudo isso, eu continuo incentivando todo mundo a se vestir bem. E se todos os argumentos caírem um dia, ainda vou ter o argumento de que é porque eu realmente acho bacana! hahah
  O assunto tá longe de morrer e, na verdade, provavelmente não vai mais se tocar no mesmo ponto de forma lá muito branda a partir daqui. Então se quiserem me corrigir ou acrescentar algo, do this! Tamos aí pra isso!

quarta-feira, 19 de março de 2014

O Arbítrio Divino

  É engraçado entender o que houve no Éden. Adão é criado, se sente só, ganha Eva, os dois pecam e são castigados. Por que não poderia ter começado de um jeito melhor, ou com um relato mais bem arquitetado? As histórias bíblicas ficaram tão ‘batidas’ em nossa cultura que às vezes perdemos a capacidade de perceber o tamanho delas. A que se segue é simples e conhecida, mas pra quem nunca entendeu o sentido disso tudo, vale a tentativa. :)
  O homem, perfeito, era e cumpria exatamente o que havia sido criado para ser e cumprir. E tanto Deus não queria uma marionete, que criou um ser perfeito no lugar perfeito, mas capaz de se sentir insatisfeito, sem que isso sequer configurasse pecado.
  O Criador deu tudo: a perfeição, a Sua própria imagem, o vigor, o fôlego, a mente livre, a capacidade de criar - como só Ele -, um jardim feito por Ele próprio como morada, uma natureza feita para ser completamente livre da corrupção e a Árvore da Vida, para que o homem vivesse para sempre. Mas tanto quis Deus alguém com quem se relacionar de forma verdadeira que, há de se insistir, criou esse alguém com a capacidade de sentir-se entristecido e incompleto, insatisfeito mesmo com todas as condições criadas por Ele, mesmo tendo um relacionamento com Ele. É estranho pensar assim, não? :P
  O homem perfeito, no lugar perfeito, se sentiu insatisfeito, e percebeu que queria outra coisa. Deus, por sua vez, entendeu e ficou feliz em dar, e criou a mulher, igualmente à Sua imagem e semelhança, e os dois seriam enfim completos entre si e com Ele. Os seres humanos perfeitos, no lugar perfeito e agora na forma mais simples e plena completos e com Deus, e Deus lhes amando e lhes permitindo viver bem.
  Além disso, Deus havia dado um presente ao homem, que era uma mente pura e imaculada pela corrupção gerada pela rebelião nos primórdios. Mas como ter um relacionamento verdadeiro, aberto e sincero, omitindo? Como amar alguém e esconder a realidade? Como amar alguém de verdade prendendo nessas limitações, ainda que elas sejam o lugar mais belo, seguro, perfeito e pleno de amor? Deus tanto amou o ser humano e tanto quis um relacionamento verdadeiro e sincero que antes de tudo explicou, letra por letra, que havia aquela lei escrita antes do próprio homem de que o pecado traria a ruína, de que ‘certamente morreriam’, porque a própria natureza de Deus não poderia conviver com a corrupção, e a corrupção não poderia existir no meio da criação. Deus explicou, deu tudo. Deus criou o homem para que essa fosse a criatura privilegiada, aquela que se relacionaria com Ele de forma plena, e desbravaria, e construiria, e criaria, e faria do mundo um jardim, com Ele, com Sua bênção e Sua proteção. Mas como amar sem dar liberdade? Como amar sem dar-se a chance de, apesar de tudo, ouvir um “não”?
  E o ser humano, perfeito, no lugar perfeito, completo e recebendo todas as provas de amor, ainda achou que queria outra coisa. Fez, apesar de tudo, escolha de dizer “não”, e ouvir o conselho de alguém que nunca lhes provou amor, em lugar do único que dera tudo, e fizera tudo por amor. O “não” foi dito, e Deus teve de cumprir a sentença de eliminar o ser humano, agora hediondo, sujo pela corrupção.
  Mas Deus, em SEU arbítrio, ainda decidiu amar. Não o levou à morte eterna, como rezava aquela lei escrita antes da Criação, mesmo que tivesse sido essa escolha feita pelo próprio ser humano. O Criador, contra todas as perspectivas e com toda a capacidade de ‘passar uma borracha’ e refazer, tentar de novo, continuou o amando, e mudou todas as perspectivas: em lugar de exterminar o homem junto com a corrupção que entrava no mundo através dele, em sua sabedoria apenas tirou o homem do contato com a Árvore da Vida, pois sabia que uma vida em eterna corrupção faria dos seres humanos tão encoleirados, presos em seus próprios vícios e em sua própria sujeira, tão deturpados, torpes e tão infelizes quando os anjos que caíram antes deles. Ele os expulsa do jardim e os castiga, como um pai que quer mostrar ao filho que viver em certas linhas não faz bem. Assim, Deus ama os homens uma vez mais. Mas o mais inconcebível e inacreditável ainda estava por ser feito.
  As ações de rebeldia ergueram a lei da morte, necessária para o equilíbrio da Criação que Deus havia feito para si e agora para os homens. E mesmo com todas as escolhas que o homem fez contra Deus, uma após a outra, Deus o continuou amando. O Filho, com o Pai desde o início, decidiu que pagaria Ele mesmo essa lei para livrar esses seres perdidos da culpa e dar uma chance de eles voltarem, e não morrerem, se ainda quisessem voltar à saúde, voltar ao que nasceram para ser, e voltar a se relacionar com o Pai. E o Filho de Deus vem como Filho do Homem falar com os homens, e não como alguém que ordena, obriga, condena. O Deus Cristo vem sendo o que Ele é, e mostrando ao ser humano o mesmo que com o Pai mostrava no Éden: que queria o ser humano livre, verdadeiro, e que o queria vivo para sempre. Sim! Ainda o queria vivo para sempre e com Ele! E veio na forma de um humano como os outros, abrindo mão do seu trono e de sua glória para vir pobre e nascido na sujeira em que qualquer ser humano nascia, para em seguida ser deitado num cocho de madeira onde os animais comiam. Não melhor, nem em melhores condições! Apenas como um deles, um menos abastado. E veio para ser tentado em todas as dificuldades que o ser humano tem, para perdoar o ser humano como alguém que realmente entende, e inclusive na prática, aquilo pelo que um ser humano pode passar, e quanto um ser humano pode sofrer, assumindo toda a realidade humana para que a toda ela pudesse redimir.
  Veio, e se chamou Jesus, e veio como a porta para o ser humano voltar, como o caminho para que o ser humano achasse novamente o Pai que desprezara, mas que apesar disso ainda os queria, sempre e sempre de volta. Não preciso escrever sobre como Ele foi recebido, nem preciso dizer o quanto foi questionado, perseguido, espancado. Com todo o poder para parar, com exércitos de anjos à sua disposição, Ele se deixou esmurrar até o fim, e como uma ovelha indo de encontro à faca estendeu o seu pescoço e se deixou cortar. Foi pagar o preço pelo homem, e foi até a cruz, sendo até lá insultado e com poucos em seu favor. Foi pagar o preço pelo homem e deixou que o próprio homem o fizesse pagar, com suas próprias e sujas mãos. E o homem não o fez de forma chorosa, como quem agradece por não ter de passar pela condenação. O próprio Deus viu a morte com os olhos de quem se vê rejeitado e odiado, e viu a raiva dos homens ser derramada sobre Ele, apesar de tudo o que Ele foi aos homens, desde o começo.

  E no fim disso tudo ao meu ver já não interessam discussões sobre predestinação ou livre-arbítrio. Quando nos concentrarmos no arbítrio de Deus e em que ele consistiu, e se de fato o entendermos, provavelmente o nosso arbítrio encontrará o caminho de casa.